quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Sede






Naquela noite, ela chegou em casa como de costume. Com seu casaco pardo e meio aveludado, 
a calça jeans surrada e que sobrava dos lados. 
Um cinto polido, que tinha sido de sua mãe.
Entrou em casa, tirou os sapatos. Foi fechando a porta e jogou a bolsa no mesanino logo em frente. Atirou o casaco no sofá e desabotoou o cinto  muito rapidamente. A calça escorregou perna abaixo e com uma das mãos ela acabou de tirá-la. Correu até o banheiro, abaixou  a calcinha rosa de algodão, e de súbito, sentou no vaso; e aquele momento foi único.
Ficou alí uns vinte minutos. Sentada no vaso, com as mãos que seguravam o queixo, apoiada com os cotovelos nas coxas. Ficou. Não que estivesse com prisão de ventre, diarréia, cólicas intestinais...Não, ela já tinha se aliviado. 
Mas ficou alí, sentada no vaso, quieta, pensando.
Com a porta aberta, era possível observar o pequeno corredor e o sofá na sala.
Na parede de frente para o corredor, um quadro que ela pintou quando ainda pensava que, beijar na boca era sinônimo de compromisso.
Se limpou. Não que precisasse. Depois de vinte minutos, já estava tudo seco.
E foi extamente isso que ela pensou.
Estava tudo seco.
Há quanto tempo estava seca, com sede de amor. Com sede de carinhos, de indecências, de colo e de veemências...
Ela se levantou do vaso , deixou a calcinha  encolhida no canto do banheiro e saiu pelo corredor. Semi nua. Ficou só com a blusinha que vestia por debaixo do casaco. Descalça, caminhou pelo chão frio e distante, sem memória.
Na sala, buscou com o olhar o maldito casaco pardo. Com toda ansiedade de um bebê, que acorda na madrugada deitado naquele berço gelado e sem vida e busca sedento o seio de sua mãe.
Foi pegar no casaco, um maço de cigarro que já estava no seu fim. Quase derradeiro cigarro e ainda tinha um para o dia seguinte, ou as horas que se seguissem.
Sim, porque nos últimos dias, ela não conseguia pregar o olho. Já estava se tornando um hábito, não dormir. 
Pegou o cigarro, com a mão esquerda, e olhando sua mão, com as unhas por fazer...sentiu mais ainda, sede de viver. Viver e não só existir.
Saborear o gosto de cada momento, como se tivesse na boca e no corpo: o mundo.
Com um isqueiro jogado na mesinha de canto, ela acendeu o seu velho e mais novo companheiro...como quem acende a chama da vida. Que vida!
Se jogou no sofá e entre uma baforada e outra, observou todo o ambiente ao seu redor.
Pálida e exausta.
Ficou alí algum tempo, mesmo depois de ter amassado a quimba de cigarro numa xícara que ela deixou outro dia por alí, com um fundo meio sujo. E esqueceu.
Noutro momento já não pensava em nada.
Sua cabeça era um caixote, oco. Nem eco, nem sopro. Vazio.
E caiu num sono profundo. 
E sonhou que no seu mundo, a vida era um lago: espelhado, claro e profundo.

4 comentários:

Pelos caminhos da vida. disse...

Uma flor. Uma fonte.
Um sorriso. Uma vida.
Tudo começa.
É importante começar bem.
Mais importante, continuar bem.
Seja sempre novo cada momento
do seu dia. Para fazer da sua vida
uma dádiva sempre nova.

beijooo.

vieira calado disse...

Muito grato pelo seu comentário no meu blog de poesia.

Volte sempre

Beijoca.

Dois Rios disse...

Uma casa repleta de vazios.

Uma mulher seca de amor.

A completude de um sonho.

Solidão.

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Que bom que você voltou! Bem-vinda as trabalhos, novamente, rss..

Beijos,
Inês

Desnuda disse...

Nossa..Tão intensa e minuciosa a forma da escrita..Me senti sentada neste vaso pensando... E fazendo alguns gestos... Somos iguais, somos diferentes.

Beijo